segunda-feira, abril 25, 2005

A Metade e Eu

“A rapariga estava sentada a uma mesa numa esplanada sobre o mar. Vestia de branco e era loura, mas muito queimada do sol. Ao lado da mesa estava montado um guarda-sol giratório de pano azul que o criado veio regular, para acertar bem a sombra. O criado não perguntou nada e inclinou-se apenas e a rapariga pediu um refresco. Era meio da tarde e o sol batia em cheio no mar, que se espelhava aqui e além em placas rebrilhantes.” O céu estava límpido, e a luminosidade intensa, ao fim de algum tempo de fixação, acabava por ferir os olhos de qualquer um. O criado apareceu com o que a rapariga tinha pedido. Um refresco para aquela tarde quente. De cor alaranjada, o barulho do líquido, ao ser vertido para o copo de pé alto, quebrava o som das ondas do mar. Ela provou o refresco. Fez sinal de aprovação ao criado e este retirou-se. Ficou novamente sozinha. O areal, grande e dourado, abraçava as crianças, que entre gargalhadas e brincadeiras, corriam para a água, molhavam os pés, e voltavam para trás com o rebentar de uma onda mais feroz. Ao longe avistava-se um barco. Daqueles que percorrem o mundo. Daqueles que só sabem albergar marinheiros destemidos, que têm sempre sede de mais conquista. A rapariga fechou os olhos. Deixou que os restantes quatro sentidos tomassem conta das suas vivências. Lentamente, estendeu os pés em direcção ao sol. No instante em que o fez, começou a sentir o calor acolhedor a abraçar-lhe a pele exposta. Naquela posição de total relaxamento em que se encontrava, podia ouvir com clareza os sons que a rodeavam. Não se limitava somente a ver situações, a contentar-se com as visões que em flashes repentinos inundavam o seu campo óptico. Agora podia deliciar-se com tudo o resto: Sentia o ferver da areia e os gritos íntimos, dados pelos rapazes que jogavam a bola, ao pisar a parte mais seca do areal. Sentia o criado agitado a cumprir o seu dever. Sentia o rebolar das ondas com maior precisão e também o chocalhar das conchas que se aninhavam à beira-mar. Sentia o sabor a sal que um ou outro salpico lhe trazia de vez em vez. Sentia tudo o que estava a seu alcance e mais ainda. Vivia com tamanha intensidade cada som, sabor e cheiro a mar. A rapariga que estava sentada a uma mesa numa esplanada sobre o mar, e que vestia de branco e era loura, mas muito queimada pelo sol, sentia-se feliz.

Amélia