segunda-feira, março 28, 2005

Sala Azul

Lentamente na sala azul, o sol que atravessa a janela vai acordando as paredes arrefecidas pela noite. Espero a minha vez de sair. Sem pressa, sem perguntas, sem nada. Sentado na cadeira, também azul, aguardo que me chamem. Aguardo sozinho. Entre o murmurio de gentes sofridas, gastas pelo tempo, vou percorrendo, com o olhar, os cheiros que se aproximam e afastam numa dança sensorial. Sem ter tempo para pensar, sou arrastado inconscientemente para o lado e então vejo-a. De mãos enrrugadas pelas tarefas que não queria fazer, espera também pela sua vez. Espera, como eu, ver aqueles que escrevem a vida com palavras duras. Espera, como eu, ter coragem para no final sair de lá maior...muito maior. Perdido nas minhas visões sou, de forma bruta, obrigado a voltar. O barulho intensificou-se e lá longe, no final do corredor, uma voz grave chama o meu nome. No meu pulso esquerdo algo me aperta a pele sufocando os poros que, sem respirar, me prendem a face numa mistura de dor e dúvida. Olho para as mãos enrrugadas, mas desta vez não fico por aí, a curiosidade já há muito me tinha invadido. Como é linda. Não falo da beleza instantânea, que dura somente uma juventude inquieta. Refiro-me à beleza que vai para além disso. Aquela que dura sempre, eterna, mesmo quando coberta de saudade. A rapariga das mão enrrugadas tinha tudo isso condensado numa luz transcente, um brilho que toca e encanta, que alcalma e faz pedir por mais. O meu nome soa novamente na sala azul, mas desta vez ecoa sendo repetido vezes sem conta de forma infernal. Levanto-me mas tenho medo. Enquanto caminho penso em todas as coisas que insisto guardar em pedaços de mim. E quantas vezes, desesperado, penso que cheguei ao fim, mas acabo sempre por encontrar uma força que dorme no centro do meu ser e que me impede de cair, obrigando-me a continuar passo a passo. Mas penso também em todas as coisas que deito fora. Infinitos pensamentos e frases usadas, outrora maltratadas pelas acções que, por pura chantagem, sou obrigado a realizar. E quantas vezes, despido de mim mesmo, grito com medo de continuar e prendo os meus pés ao canto mais seguro. Tantas vezes, espero com artificios ficticios fazer desaparecer o caminho, grande demais, que espera pacientemente o meu corpo mortal. Tantas e tantas vezes...mas hoje, hoje não.

Amélia