quinta-feira, maio 05, 2005

Histórias Casuais I

Fala-me. Fala-me muito. Enche-me de histórias mirabulantes que insistes em colar ao teu passado gasto. Enche-me de risos com a excitação crescente da tua voz rouca. Fala-me até te cansares, até se esgotar a tua imaginação infinita. Faz-me rir um dia inteiro. Faz-me não pensar em mais nada, só no teu falar e no café que, com o passar das horas, vai arrefecendo em cima da mesa.
Grita-me. Grita-me muito. Esvazia os teus pulmões em sopros sonoros de raiva comprimida. Mostra o mais cruel de ti equanto me maltratas com palavras que vais expelindo entre um suspiro mais profundo. Grita-me de frente e devora o meu ego. Diminui os meus sentidos com essa tua furia triste. Liberta-te aos poucos dessa maneira.
Cala-me. Cala-me quando achares que o deves fazer. Nunca me deixes divagar por solidariedade. Faz-me silenciar os sentimentos e as recordações mais longinquas sempre que elas te fizerem sentir mal. Não me deixes tornar insuportavel e entediante para ti. Cala-me sempre que for preciso.
Olha-me. Olha-me muito. Vê-me de todas as prespectivas. Sobe ao cimo de um predio e observa-me de topo. Abre os olhos e mantem-os assim até secarem. Olha-me enquanto les um livro sem interesse, alimentando uma conversa casual contigo mesmo. E ao fim do dia, quando te sentires cansado...Fecha os olhos e olha-me outra vez.

Porque eu...

Já nao te falo. Perdi a vontade de o fazer. Agora prefiro beber o café que me aquece a garganta arranhada pelo frio.
Porque eu já não te grito. Deixei de elevar a voz por qualquer coisa. Agora, nesses momentos mais intimos, contenho-me de forma responsável e cautelosa.
Porque eu já nao te calo. Passei a deixar-te falar tudo de uma so vez. Sento-me e espero que fiques com falta de ar. Aguardo o teu cansaço pacientemente. Enquanto o faço, vou recordando que já nao te falo, nem te grito e muito menos te calo. Enquanto o faço vou pensando que por não te falar, nem te gritar, nem te calar te vou olhando cada vez menos...

Amélia