quarta-feira, maio 25, 2005

Capítulos Meus I

Já era tarde. É sempre tarde demais para mim. Entrei no carro e antes de arrancar a Rita foi até à janela, que estava aberta, e deu-me beijo meloso de parabéns. Tinha acabado de comer torradas e ainda não tinha limpo a boca. Ela gosta de muito de torradas e eu também gosto, por isso mesmo, só as comemos ao fim de semana, para que nessa altura nos saibam melhor do que nunca. É uma tradição cá em casa nos pequenos-almoços de Sábado.
Fiz-me a estrada, mas já era tarde. Não sabia ao certo que caminho seguir e fui sempre em frente. Como era agradável andar na estrada a esta hora da manha. Sentia-me como se ela fosse só minha. Sem trânsito, sem buzinadelas nem filas, só o alcatrão a fumegar e a paisagem plana a cheirar a Verão. Liguei o rádio para me fazer companhia. Estava a dar uma música antiga do meu tempo. Enquanto acelerava pela solitária faixa da direita, ia pensando com nostalgia. Antes era o meu pai a recordar as músicas do seu tempo quando íamos de viagem. Agora é a minha vez. Tal como ele faria, vou cantarolando desafinadamente um refrão qualquer que me ficou no ouvido durante anos a fio. Olho para uma placa que esta a poucos metros de mim. Uma estação de serviço aproxima-se. Quando ela chega faço um desvio e aproveito para beber um café e descansar uns minutos.
Peço o café e vou sentar-me numa mesa junto a parede. Da minha mala verde, que ninguém gosta, tiro um pequeno papel já amarelecido pelo tempo. Guardo-o há tantos anos e mesmo assim, neste instante, podia fazer as contas para saber a exactamente quanto tempo o guardo. Mas isso não é relevante. Abro-o com o mesmo cuidado que me levou a guarda-lo, na caixa que tenho debaixo da cama, durante décadas. Nele está uma morada. Ainda me lembro do dia em que ma deram. Olharam-me nos olhos e debitaram no ar o nome de uma rua, um número de uma casa e uma cidade. Nunca me disseram para que iria servir tal informação. Eu também nunca perguntei. Mas hoje, no dia combinado, sai de casa deixando a Rita para trás, só por um instante, eu sei que ela fica bem, e fiz-me a estrada.

Amélia