quinta-feira, março 31, 2005

"Leite....o Leite.."

Porque é que sempre que escrevo tem de ser sobre qualquer coisa triste ou deprimente? Acho que o artigo que li no outro dia se adapta muito bem à situação: " A tristeza fala e comunica muito melhor que a felicidade". Estranho...Não deveria ser ao contrário? De qualquer forma, das duas uma, ou nos esforçamos para ser felizes, ou nos contentamos com a infelicidade. Neste último caso, ou somos efectivamente tristes ou então, desculpem que vos diga, somos masoquistas. Ou entao não. Não sei. Não vou pensar no caso. Pouco me importa. Estou feliz e vou comunicar a felicidade. Há certas coisas que não se podem esquecer, entre as quais, que nem so a tristeza fica bem em palavras. A felicidade é certamente um desafio bem maior, muito mais dificil e saboroso. Lá fora o calor invade cada milimetro. O suor escorre das faces dos poucos que se atrevem a encontra-lo. Estou deitada na cama. Tenho um espelho ao meu lado. Gosto do que vejo quando vou espreitando. Gosto de mim. Pareco uma menina, daquelas que fazem publicidade contra a osteoporose e a favor do leite. Aquelas que as vezes ainda encontramos nas paragens dos autocarros e estão com um sorriso interior gigante e cheio de cores do Mundo..mesmo sendo a fotografia a preto e branco. Lá estao elas (e eles) debaixo do sol ardente, a fazer a conhecida campanha dos laticinios e a mostrar a todos os que querem ver, que vale a pena tentar porque nós somos infinitamente grandes. É só querer.

Amélia

A casa do pensamento

Sai de casa no pensamento. Só não fui com o corpo atrás da alma porque esse estava preso à consciencia. Deambulei pela rua. Estava frio. A noite já há muito se fazia ver e o ar gelado que o vento soprava despertava os sentidos da mente. Estava triste. Profundamente triste como há muito não me via. Daquelas tristezas que parecem só existir nos teatros e que ninguem entende. Pensamos sempre que os actores estão simplesmente a hiperbolizar as sensações acabando por transmitir um drama pesado e a cheirar a falso. Pois bem, não é falso. Nem sequer tem cheio. Existe e eu sei. Aprendi tanto duante a viagem. Aprendi que não sei nada. Aprendi que o que sei não vale nada comparado com o que podia saber. Aprendi que não sei aprender. Apesar de tudo, sei que o que escrevo acaba sempre por ser uma aprendizagem minha, mesmo sabendo que cada palavra que libertamos, a partir do momento em que o fazemos, deixa de ser nossa. Nessas alturas sinto-me tão feliz mas tão pequena, tão fechada e tão só minha.. até ao instante em que o pensamento volta para casa. E depois? Depois volta tudo a ser como era.

Amélia

segunda-feira, março 28, 2005

Sala Azul

Lentamente na sala azul, o sol que atravessa a janela vai acordando as paredes arrefecidas pela noite. Espero a minha vez de sair. Sem pressa, sem perguntas, sem nada. Sentado na cadeira, também azul, aguardo que me chamem. Aguardo sozinho. Entre o murmurio de gentes sofridas, gastas pelo tempo, vou percorrendo, com o olhar, os cheiros que se aproximam e afastam numa dança sensorial. Sem ter tempo para pensar, sou arrastado inconscientemente para o lado e então vejo-a. De mãos enrrugadas pelas tarefas que não queria fazer, espera também pela sua vez. Espera, como eu, ver aqueles que escrevem a vida com palavras duras. Espera, como eu, ter coragem para no final sair de lá maior...muito maior. Perdido nas minhas visões sou, de forma bruta, obrigado a voltar. O barulho intensificou-se e lá longe, no final do corredor, uma voz grave chama o meu nome. No meu pulso esquerdo algo me aperta a pele sufocando os poros que, sem respirar, me prendem a face numa mistura de dor e dúvida. Olho para as mãos enrrugadas, mas desta vez não fico por aí, a curiosidade já há muito me tinha invadido. Como é linda. Não falo da beleza instantânea, que dura somente uma juventude inquieta. Refiro-me à beleza que vai para além disso. Aquela que dura sempre, eterna, mesmo quando coberta de saudade. A rapariga das mão enrrugadas tinha tudo isso condensado numa luz transcente, um brilho que toca e encanta, que alcalma e faz pedir por mais. O meu nome soa novamente na sala azul, mas desta vez ecoa sendo repetido vezes sem conta de forma infernal. Levanto-me mas tenho medo. Enquanto caminho penso em todas as coisas que insisto guardar em pedaços de mim. E quantas vezes, desesperado, penso que cheguei ao fim, mas acabo sempre por encontrar uma força que dorme no centro do meu ser e que me impede de cair, obrigando-me a continuar passo a passo. Mas penso também em todas as coisas que deito fora. Infinitos pensamentos e frases usadas, outrora maltratadas pelas acções que, por pura chantagem, sou obrigado a realizar. E quantas vezes, despido de mim mesmo, grito com medo de continuar e prendo os meus pés ao canto mais seguro. Tantas vezes, espero com artificios ficticios fazer desaparecer o caminho, grande demais, que espera pacientemente o meu corpo mortal. Tantas e tantas vezes...mas hoje, hoje não.

Amélia