quinta-feira, maio 26, 2005

Carta para a Amélia

Já me tinhas contado como iria ser, mas eu não pensei que chegasse tão cedo este dia. Apesar de inesperado, faço o que sempre te prometi fazer e o que tenho a certeza que gostarias que eu fizesse. Sei que partiste com saudade do que ficou, mas também vi em ti uma imensa vontade de ir para o sítio que outrora tinha sido teu. Voltaste para casa e voltaste feliz. Esse é o único motivo que me faz ficar a sorrir para ti, enquanto te vejo acenar-me debruçada na janela do comboio já em movimento. Não vou mentir e dizer que pensarei em ti todos os dias. Não me vou iludir cultivando esperanças de que voltes brevemente. Vou simplesmente, nos dias em que a saudade apertar, escrever-te uma carta a recordar os bons momentos. Unicamente os bons momentos. Durante o tempo que estiveste, sempre sentada ao pé de mim, foste tudo o que podias ser. Deste tudo de ti. O ombro, a gargalhada, a imaginação, a nostalgia. Até o silêncio me deste quando era necessário. Juntas, fomos tantas vezes para a janela do meu quarto, lembras-te? Ficávamos lá a olhar para a rua. Víamos as pessoas passar e criávamos histórias rebuscadas sobre elas. Nunca me vou esquecer daquela noite quente em que, ao olhar o céu, vimos um avião passar e juramos que parecia uma baleia dos céus. A partir desse dia o céu passou a ser o nosso mar. Rimos que nem duas crianças no chão frio. Eu lembro-me tão bem de todos os detalhes, mesmo daqueles que nunca cheguei a partilhar contigo. Foram poucos, mas a verdade é que também guardei pedacinhos só nossos no meu no livro de recordações. Aposto que fizeste o mesmo. Espero sinceramente, que tenhas o tenhas feito, para que no futuro, quando quiseres trazer a memoria estes momentos o possas fazer embalada numa nostalgia acolhedora. Desculpa-me as vezes que não te quis ouvir e também todas aquelas em que, com a minha borracha branca, te fui em tentativas frustradas, apagando de mim. Desculpa-me os dias em que me deixei levar pela corrente mais forte e mesmo quando tentava nadar na direcção oposta, ela empurrava-me constantemente até ao desconhecido. Acredita que por isso comprei uma bússola e trago-a comigo para todo o lado. Agora sei sempre o caminho de volta.
Neste instante, em que já mal te vejo porque o comboio vai longe, acho que já deves estar a ler esta carta. Amélia, minha Amélia, vou ter tantas saudades tuas, tantas que, apesar de teres acabado de partir, já me inundaram violentamente. Espero que um dia me venhas visitar. A tua cadeira, aquela que costumavas usar quando te sentavas ao pé de mim, não vai sair do lugar e vai estar sempre vazia a tua espera. Escreve-me também da Terra do Nunca. Manda-me abraços pelas baleias que passam no céu e lembra-te de nós. Lembra-te de nós sempre que te apetecer, mas acima de tudo, lembra-te somente dos bons momentos.

Joana